Recontando histórias

Por: Vitória Quirino

Era uma vez uma contadora de histórias que tinha o dom de revelar o poder medicinal e curativo dos contos tradicionais e das histórias em toda sua poética. Somos feitos de histórias, disse ela. Daquelas que contamos, das que as pessoas nos contam, das que contamos para nós mesmas. Em todos os seres, em tudo o que vive há uma história a ser contada. Foi um convite para um mergulho no mundo da medicina das histórias em: “Aprenda a recontar a sua própria história”.

Através dela percebi que de todas as histórias, a mais importante é a que estou vivendo agora. Também importa a que conta de onde vim e o que vivi junto às pessoas que me são queridas. A partir das minhas histórias sinto, construo, desfaço, escrevo, apago, teço, desmancho, aprendo, pontuo, refaço, pulso, e sigo vivendo… São elas os bens mais preciosos à inteira disposição para a criação e recriação. 

Do meu livro de histórias revi a criança e o mundo de imaginação e magia. Revivi as aventuras e desventuras da jovem irreverente, os afetos, as afinidades, amizades, os encontros, as histórias de amor e distanciamentos, das conquistas e das perdas. Histórias de dor, de superação, de temor, de coragem, de vulnerabilidade, de fuga, de enfrentamentos e descobertas, das alegrias dos dias de sol brilhante, das angústias nas tempestades e noites escuras da vida. 

Que história eu quero recontar? A intenção é sentir, permitir ressoar. Escolher uma das histórias e apenas começar, encontrar o fio da narrativa. Tomar consciência, reviver, relembrar e com a oferenda do novo, desver, transver, ir além e através para ativar o curador interno, a existência que liberta e acessa a leveza e a felicidade disponíveis, com a clareza que as situações vividas não se apagam, mas a compreensão se amplia, traz autoconhecimento e liberação. 

Reconhecer e valorizar os tantos momentos das histórias, a legitimidade das vitórias, dos obstáculos vencidos ou do prazer vividos. E igualmente qualificar o sofrer, nomear e dignificar a dor, o temor, a culpa ou a fuga, entendendo-os como trechos serenos ou sinuosos dos caminhos percorridos é um exercício. É perceber que “cada momento negativo pode estar a serviço da vida”. Assim, escolhi “aprender a recontar a minha própria história”, a rever e reinterpretar um fragmento da memória, sem a intenção de atenuar ou aumentar as experiências, sem negar ou integrar, mas acolher o vivido e seguir confiante tecendo a história. 

Agora, distante no tempo, pude mergulhar em uma história doída, sofrida, profundamente sentida, para através dela enxergar, tanto quanto possível nesse momento, a grandeza dos ensinamentos para recontá-la com palavras e sentimentos legítimos e próprios a quem hoje sou. A história vivida mostra quem eu fui, os erros e acertos, todos os monstros e guerreiras que haviam em mim. Recontada, a história se amplia e acessa quem eu sou, com os personagens que me habitam e que a cada dia estão mais conscientes dos papéis que exercem. 

Não é simples recontar a própria história. É desafiador, libertador, potente. Os fatos não mudam, mas as lembranças do que foi vivido se transformam em outras perspectivas, percepções e compreensões possíveis. As histórias recontadas são como pílulas com potencial de cura pelo que elas mostram. Seguirei com a intenção de aprender a recontar minhas histórias, de diversas formas, em muitas versões, à luz dos sentidos, dos sentimentos, de emoções e apreciações. Elas são parte de mim, me revelam e contribuem para quem fui, sou e virei a ser.

Com gratidão à Andi Rubinstein. 

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