Por: Marcela Quirino
Primeiro vieram os boletos. A casa por limpar. As burocracias da empresa. As exigências dos clientes. A DR com o marido. A obra no apartamento de cima. A ignorância de um cara no trânsito. Depois veio a dor de cabeça seguida por uma fisgada na coluna seguida por um tremelique na pálpebra direita seguida de uma taquicardia. Veio uma vontade de jogar o computador pela janela, mas tinha reunião marcada. Veio uma vontade de deitar e chorar, mas era preciso lavar a louça. Veio uma vontade de mandar todo mundo pro quinto dos infernos, mas lembrei que cada um tá enfrentando alguma guerra interna. Se tornar adulto é como assinar um contrato sem ler as cláusulas: você quer aquilo, mas não imagina que vá ser daquele jeito. E agora percebo que eu escrevo como se tudo isso fosse novidade pra mim – já cheguei nos 30, mas a impressão que eu tenho é que ainda estou cruzando o portal dos 18.
Muita coisa mudou com o passar do tempo e uma delas foi a nossa maneira de adultecer. Basta olhar as fotos dos seus antepassados e você vai ver: lá estava a sua bisavó, com 20 anos de idade e uma carinha de 83. Vestido abaixo do joelho, cabelo preso num coque, meia dúzia de filhos e um semblante de quem nunca vai saber o que é sair com as amigas pra tomar um chope. Se aquela vida a fazia feliz, não temos como saber. O fato é que é muito simples se dar por satisfeita com uma realidade da qual você não tem como fugir. Cachorro só gosta de osso porque isso é tudo que lhe oferecem, já diria Ariano. “Bote um filé e bote um osso e veja o que o cachorro escolhe.” Não consigo não lembrar dessa analogia quando paro pra pensar no estilo de vida que a gente é induzido a ter. Querem que a gente viva com aquele vestido abaixo do joelho e aquele coque impecável e aquele semblante exausto e acredite que esse é o normal. Não adianta nos empurrar o osso se a gente sabe que tem direito ao filé.
Eu tenho cinco sobrinhos pequenos que ainda não entenderam que eu sou uma adulta, e acho isso ótimo. Digo pra eles que sou adolescente e isso não é tão impossível de parecer verdade: nos eventos da família, é mais provável você me ver brincando de esconde-esconde com eles do que sentada numa mesa com dez casais conversando sobre imposto de renda. Aviso à senhora sociedade: não espere que eu seja essa pessoa. Furei meu nariz aos 28, me visto como se tivesse 15 e se não mudar de planos vou pintar o cabelo de rosa aos 31. E o mais importante de tudo: nada disso anula o fato de eu ser uma mulher responsável, uma profissional competente e uma pessoa consciente de quem é, do que faz e do que deixa de fazer. Às vezes, envelhecer é uma escolha. O ano impresso na certidão de nascimento é só um detalhe, o que importa mesmo é a forma como você quer passar por essa vida. Enquanto uma galera sofre de adultice aguda, eu prefiro ser portadora de juventude crônica.
Tem um meme maravilhoso que mostra “quando eu encontro a turma do colégio”. A turma do colégio é o príncipe William e a duquesa Kate Middleton passeando com os filhos, já o “eu” é Zeca Pagodinho em seu melhor momento ébrio, mandando um legal com uma mão enquanto a outra segura um copo de cerveja – um retrato fiel do que rola ao meu redor. Sim, muitas amigas e amigos meus seguiram o fluxo tradicional das coisas e sim, eu fico feliz em vê-los realizados! Mas, na boa, também preciso expressar o quanto eu amo pertencer a uma geração que permite que a gente siga caminhos diferentes! Ok, é a geração do burnout. Ok, eu ainda tenho o sonho de ser mãe. Mas nada disso me convence de que eu preciso abandonar a minha essência, aquela que veste camiseta de banda e tênis sujo de lama. Nada disso me faz acreditar que a vida precisa ser uma sequência frustrante de treta pra resolver e conta pra pagar. Nada disso pode me tirar a liberdade de fazer o que me faz feliz – mesmo que eu morra de ressaca no dia seguinte.
Primeiro vieram os boletos. A casa por limpar. As burocracias da empresa. As exigências dos clientes. A DR com o marido. A obra no apartamento de cima. A ignorância de um cara no trânsito.
Mas depois veio a certeza de que ser adulto não se resume só a isso.
(Nota da autora: após ler essa crônica, escute essa música.)