Sobre lágrimas sinceras e desculpas esfarrapadas

Por: Marcela Quirino

Noite do dia 4 de janeiro. Deitei pra dormir, mas não sem antes fazer meu ritual noturno: óleo essencial de lavanda mais fone de ouvido mais alguma música que me acalme. Vou no disco novo de Chico Chico, faixa Ribanceira. Enquanto ele canta que “a fadiga do fim da vida será descanso de sonho manso no colo de Deus”, me pego aos prantos. Fazia tempo que eu não chorava assim, de repente. Será TPM? Abro o app que uso para acompanhar meu ciclo e não, não é TPM. Descartada essa possibilidade, só me resta aceitar: chorei porque algo em mim precisou se manifestar. Chorei porque 2022 chegou há 4 dias e eu não tô tão otimista quanto deveria. Chorei porque eu queria ter mais alguns dias de recesso. Chorei porque, bem, é isso que eu tenho aqui dentro e foda-se se transbordou.

Ufa. Que alívio que dá quando você é sincero com você mesmo.

Isso me faz lembrar de todas as vezes em que eu caí no choro no meio de alguma farra com amigos – e não foram poucas. Tem aquele ditado que diz que quando o álcool entra a verdade sai, e essa verdade, queridos, muitas vezes é um belo de um chororô embriagadamente dramático. Ah, os bêbados emotivos! Botam a culpa na bebida e fingem acreditar que por trás daquelas 12 latas de cerveja não existe um coração machucado por uma paixão mal resolvida ou uma cabeça cansada de aturar um chefe babaca. É incrível como a gente aprende a lidar com a ressaca moral que vem no dia seguinte, mas se recusa a admitir que: OK, chorei mesmo e foi por esse motivo aqui, acho que além da mesa de bar eu também preciso de terapia.

Outro clássico é o choro causado por filmes emocionantes. Há pouco tempo, quando Marighella entrou em cartaz, eu e meu marido fomos assisti-lo no cinema. Acabado o filme, já saindo da sala rumo ao estacionamento, fui tomada não por uma emoção qualquer, mas por uma incontrolável crise de choro. Eu soluçava ao ponto do meu marido perguntar se tudo aquilo era realmente por conta do filme. Respondi que sim e que não: sim porque o longa de fato é impactante, e não porque não era só isso. Chorei por estar presenciando um governo genocida e autoritário. Chorei por viver em uma sociedade injusta e desigual. Chorei por me sentir privilegiada e hipócrita e idiota e impotente.

Hoje, quando eu me emocionei ouvindo uma música e imediatamente quis associar essa emoção à TPM, me lembrei de uma conversa que tive com uma amiga há alguns anos. Naquele período minhas TPMs eram devastadoras, me transformavam em um poço de tristeza e fúria durante longos 3 ou 4 dias. Foi quando essa amiga me falou: “já parou pra pensar que talvez tu esteja usando esses 3 ou 4 dias pra justificar sentimentos que na verdade tu tem constantemente?”. Txaram, ela matou a charada! Na tentativa de ser uma mulher sempre feliz e equilibrada, eu secretamente guardava meus surtos à espera do momento certo de soltá-los. Naqueles 3 ou 4 dias estava permitido chorar como uma condenada, afinal, eu tinha a desculpa perfeita. Desde que me dei conta disso eu parei de negligenciar meus sentimentos durante os outros 27 dias do mês.

Quando você chora bêbada, a culpa é do álcool. Quando você chora na TPM, a culpa é dos hormônios. Mas quando você chora do nada, sem nenhum motivo aparente, você descobre que nunca foi só sobre álcool ou hormônios. Nosso coração tá sempre falando alguma coisa, a gente é que não para pra escutar. Uma música bonita ou um filme triste são fatores que potencializam o que você sente, isso é fato, acontece que se você só atribui seus sentimentos a essas justificativas banais, você se mostra tão humano quanto um balde de gelo. A gente é feito de carne e osso e isso deveria bastar. Carregamos alegrias e tristezas, sonhos e medos, memórias e saudades, decepções e traumas. São águas fortes demais pra serem represadas, e não há nada de errado em se deixar inundar. O que não dá é pra se afogar, e nessas horas um ombro amigo ou um divã são verdadeiros botes salva-vidas. Agora se o choro é desses que lavam a alma, amigas e amigos, apenas parem de tentar se explicar. Deixa molhar.

Tags:

MAIS LIDAS

ÚLTIMAS POSTAGENS

Menu