Maid: sobre urgências e pranto

Por: Yane Diniz

Maid me trouxe o pranto e o aperto no peito, um nó na garganta e o peso da memória. Maid meteu o dedo na ferida e tirou a casquinha, quando ainda fina a pele da cicatriz. Maid me fez chorar.

Tão real e necessário falar sobre Maid. Tão urgente e tão pulsante para qualquer sociedade tratar as máculas do desarranjo humano quando tratamos da vida de mulheres, da vulnerabilidade e da sobrecarga feminina: física, emocional, financeira e ancestral.

Não pretendo resenhar. O que digo aqui sobre a série top 10 Netflix não deveria ser novidade para ninguém, mas o espelhamento se faz necessário para que seja percebido além da tela. Maid e as múltiplas personas abordadas no enredo estão ao nosso lado, dentro de casa e no passado que habita o coração de cada mulher.

Maid atravessa o peito quando, de cara, nos primeiros episódios, questiona agressões cotidianas em que não se levanta a mão, violência que a gente insiste em não enxergar, aquela falta de respeito que passa batido no café da manhã e entre beijos de boa noite. “Mas ele não me agrediu de verdade”. O que seria então agressão de mentirinha?

É difícil pensar na condição de costume com que abuso – seja ele qual for – entra sem bater e senta ao nosso lado confortavelmente no sofá da sala. Tão difícil quanto enxergar, é entender que o fazer vista grossa para a voz mais alta não é de agora, está fincado em memórias da convivência familiar que a gente carrega por vidas e acaba por naturalizar o comportamento agressivo, abusivo, controlador.  Tão difícil é assumir para nós mesmas que somos vítimas constantes de violência, tantas vezes sem um arranhão.

No emaranhado de questões que vão dilacerando o coração a cada flechada de pautas silenciadas pela vida, Maid apresenta a maternidade vulnerável daquelas que renunciam desejos de futuro por seus filhos. Por necessidade e pelo bem estar de quem a gente bota no mundo, mulheres se sujeitam todos os dias ao acolhimento fajuto e cobranças de seus parceiros. Mulheres somem nessas sombras e perdem sua voz até que – quando acontece – ao primeiro grito de socorro, são histéricas.

Maid coloca em cheque a existência de políticas públicas, tão burocráticas quanto pouco efetivas no trato das marcas eternas de violência doméstica, dependência emocional e financeira. O que deveria ser a reconstrução de uma base moral e identidade ferida, acaba sendo um convite à exaustão e desistência do seguir em frente.

É sobre orgulho feminino e tanta coisa que não cabe aqui. É sobre a mulher-objeto, cansada, dependente e presa na cerca viva da estrutura patriarcal, sobre a necessidade de ser cuidada, sobre carência, príncipes encantados que não existem e sobre um afago. É sobre mãe e filha. É sobre isso e não está tudo bem.

Maid é sobre mim e sobre todas, sobre tudo que a gente insiste em não ver. A mulher que sou encontra referência em todas que atravessam meu caminho, semelhanças em cada olhar que me cruza, inclusive na ficção. Maid me trouxe sangue nos olhos e lágrimas.

Tags:

MAIS LIDAS

ÚLTIMAS POSTAGENS

Menu