Por: Jorja Moura
Ao olhar no dicionário, vejo a palavra protagonismo. Qualidade da pessoa que se destaca em qualquer situação e acontecimento, exercendo o papel mais importante dentre os demais.
Na semana passada foram anunciados os indicados à 72ª edição do Emmy Awards, a maior premiação da TV americana. E a minha indagação, que sou apaixonada pelo audiovisual, foi: como assim a série Pose não entrou nessa lista? Pose é uma trama baseada na vida das mulheres trans e travestis nos anos 1980/90, nos subúrbios de Nova Iorque, EUA. Sendo o maior elenco de travestis/transexuais na história do entretenimento.
Mas então por que essas mulheres não foram honradas e reconhecidas pelo seu trabalho incrível? Será pelo fato delas protagonizarem personagens que também são transvestigêneres? A sociedade ainda não está pronta para ver nossas histórias nas telas da TV e cinema?
Quando analisamos cronologicamente a história de personagens trans/travestis no cinema e na TV, percebemos a quantidade absurda de homens cis brancos atuando em histórias transvestisgêneres, muitas vezes com trejeitos “caricatos” e estereotipados sobre a travesti que é marginalizada, prostituída e comete algum crime (recomendo você assistir Disclosure, na Netflix, um documentário sobre atrizes e roteiristas trans/travestis que fazem uma análise crítica a respeito de todos esses papéis sobre transvestigêneres que foram representades por esses homens). Não estou falando que essas pessoas não existem, pois elas existem sim e estão todos os dias tentando sobreviver a esse sistema que não cria oportunidades de vida melhor para essas mulheres, como emprego, saúde de qualidade, etc. A real é que já estamos cansadas de ver esses indivíduos recebendo méritos e até mesmo grandes prêmios por interpretarem mulheres como nós (Jared Leto e Eddie Redmayne estão aí como prova disso).
E você me pergunta, mas esse protagonismo é necessário apenas na TV? Não somente nesse espaço. Mas temos a necessidade de sermos vistas e ouvidas dentro e fora das telas de cinema. A sociedade cisgênera precisa entender que muitas dessas mulheres estão passando por situações de risco nas ruas, submetendo-se à prostituição, sendo rejeitadas pela família e acabam sem lugar para morar, ou até mesmo tendo que procurar afeto e acolhimento em pessoas cis que muitas das vezes chegam a agredi-las.
Eu, como mulher trans branca, enxergo alguns dos meus privilégios e utilizo dos meus espaços para falar que sofrer de transfobia ainda é uma realidade muito dura para várias pessoas, sendo uma mulher “passável” ou não.
Reconheço que já estive em empresas que abriram as portas para me contratar por serem “inclusivas e a favor da diversidade”. Mas me pergunto, que inclusão é essa? Que não te traz acessos suficiente para se capacitar e evoluir dentro da equipe? Que não compreende suas dores e não tem empatia pela sua existência, muitas vezes ignorando o fato de que você precisa tirar algumas horas a mais da sua jornada de trabalho para precisar ir em um endócrino, um psicólogo, pois sua hormonioterapia não pode parar. Ou até mesmo não te dando voz dentro da equipe para desenvolver grandes projetos, e não apenas lembrar de pessoas trans somente no Mês do Orgulho LGBTQIA+. Temos opiniões para diversos assuntos. Não queremos apenas servir de mascote para você vender a ideia de diversidade para a sua marca.
Sua inclusão sobre a diversidade não pode vir apenas como um grande slogan publicitário. Para ser inclusivo é preciso dar acessos e recursos para essas pessoas transvestigêneres terem mais oportunidades de concluírem uma graduação, de trabalharem e alcançarem grandes cargos na sua empresa.
Então fica aqui a minha reflexão para você que está lendo: de que forma eu posso abrir caminhos e trazer o protagonismo para essas mulheres? Como elas querem ser representadas? Como posso transformar a sociedade com mais respeito, amor e verdade sobre a existência de outras realidades que não seja a minha? Para mudar as condições de vida dessas pessoas, precisamos repensar sobre todo o sistema, romper com estruturas que já não funcionam mais para a nossa existência. Com formas de acesso para essa população transitar em segurança, para também estudar e se especializar profissionalmente. Precisamos ser chamadas pelo nosso nome social, de mais unidades de saúde disponíveis para abraçarem nossas dores, nossos hormônios, e que saibam como lidar com os nossos corpos. Só assim criaremos um movimento de mudanças sociais ainda mais igualitário para com as nossas.